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Imigrantes italianos eram tratados como escravos no começo do século XX

“No Brasil vocês podem ter o seu castelo”, diz panfleto de recrutamento de italianos para trabalhar na lavoura brasileira. Fonte: Museu do Imigrante de SP.

Fome, espancamento, isolamento, condições deploráveis de higiene e toda sorte de abusos. Esse era o cenário que a maioria de imigrantes italianos encontravam no Brasil, quando vinham trabalhar nas lavouras do país entre o final do século XIX e início do século XX.

Durante essa época, estima-se que cerca de 17 milhões de pessoas deixavam a Itália em busca de melhores condições de vida em outros países do mundo. As razões da diáspora foram as guerras de unificação italiana, as quais deixaram um legado de economia devastada, desemprego e penúria.

Já o Brasil também tinha os seus problemas. A recente abolição da escravatura em 1888, bem como o crescimento do comércio internacional do café, ocasionou a necessidade de substituição da mão-de-obra dos escravos por outra, também barata. Assim, deu-se o início da política de incentivo à imigração.

Navio lotado de imigrantes italianos com destino ao Brasil.
Fonte: Autor desconhecido.

O destino dos imigrantes italianos no Brasil, porém, era ainda mais sombrio do que aquele que abandonavam em seu país de origem.

Após enfrentar mais de dois meses em porões de navios infestados de ratos, percevejos, cólera e sarampo a caminho de uma terra estranha (muitos não chegavam vivos), tinham que encarar a extenuante viagem de trem que transpunha a Serra do Mar com destino à Hospedaria do Imigrante de São Paulo. Desabituados com a paisagem verdejante e intransponível, muitos deles ficavam apavorados a ponto de jogarem-se do trem para voltar ao Porto de Santos, já que duvidavam que pudesse existir alguma civilização em meio a tanta selva. Após vários incidentes, a São Paulo Railway passou a travar as janelas das composições.

Os fazendeiros brasileiros preferiam contratar famílias inteiras. A razão era puramente econômica. As jornadas de trabalho de todos era de 14 horas diárias. Enquanto o homem fazia o trabalho mais pesado, às mulheres era dada a obrigação de cuidarem dos animais, da horta e da colheita. As crianças, por sua vez, ajudavam na beneficiação do café.

Acostumados a tratar com os escravos, em muitas fazendas, os fazendeiros impingiam aos italianos maus-tratos semelhantes àqueles outrora dispensados aos cativos. Não raramente instalados nas antigas senzalas, os imigrantes sofriam igualmente com as distâncias dos centros urbanos, e se viam privados de escolas, igrejas, atendimento médico e toda sorte de conforto.

Família de colonos italianos trabalhando em fazenda de café do início do século XX.
Fonte: Autor desconhecido.

No mundo fechado da fazenda, o fazendeiro era a única autoridade, impondo leis próprias. Como acontecia com os escravos, os colonos eram constantemente vigiados, e tinham seu tempo rigorosamente controlado por capangas, os quais, com toques de sino, marcavam o começo e o fim de cada extenuante jornada de trabalho.

A violência física era generalizada, inclusive com o uso de chicote, como no tempo da escravidão. Os casos foram tantos que há relatos de rebeliões de colonos que chegavam a assassinar os fazendeiros. O caso mais emblemático foi do fazendeiro Diogo Salles, irmão do presidente Campos Salles, que tentou estuprar a irmã do colono italiano Angelo Longaretti e acabou morto por ele.

As autoridades brasileiras, porém, raramente puniam ou mesmo relatavam essas violências, o que estimulava a manutenção dos abusos. Havia ainda confiscos dos bens pessoais dos imigrantes, retenção de salários e venda forçada àqueles de produtos como sabão e roupas com preços exorbitantes, como forma de ocasionar o eterno endividamento do colono e mantê-lo preso à fazenda.

A mentalidade escravocrata, ainda em pleno vigor, demorou para ser abandonada, o que só ocorreu anos mais tarde.

Fonte: Museu do Imigrante de São Paulo

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